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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Sobre o uso do termo "hacker"


Sobre o uso do termo "hacker"

Sobre o uso do termo "hacker"

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende
Departamento de Ciência da Computação
Universidade de Brasília
Abril de 2000



Temos visto o termo hacker ser utilizado na mídia como sinônimo de pirata digital, invasor, vândalo, etc. Cito como exemplo a matéria de 25/03/00 do jornal o Globo entitulada "Policia força 'hackers' a desistir de invasões", do jornalista Aguinaldo Novo, e a matéria do caderno de informática da Folha de São Paulo de 05/03/00 entitulada  "Banda Larga exige mais segurança no micro", do jornalista Bruno Grattoni. Ambos cometem o mesmo equívoco -- comum na mídia leiga e que vem contribuindo negativamente para a evolução do vernáculo da nossa lingua pátria -- quando oferecem ao leitor uma simplificada tradução para o anglicismo "hacker", entre parêntesis após a primeira ocorrência do vocábulo no corpo de seus textos: piratas de computador e piratas da internet (sic.), respectivamente.
Na repetição deste engano, tais traduções "simplificadas" contribuem para dificultar a compreensão coletiva das novas dinâmicas sociais postas em marcha com os novos meios de comunicação virtual, a internet. Quem atua no ramo, sabe que na gíria da informática em língua inglesa, o termo "hacker" (lenhador) foi inicialmente usado para designar quem possui habilidades técnicas para explorar meandros e nuances em programas de computador, e usa essa habilidade para resolver problemas. Um poeta, digamos, nas línguas intermediárias entre o homem e a máquina. Hackear é esmiuçar. Não significa, e nem mesmo é condição para, piratear, vandalizar ou vender serviços criminosos, como querem alguns jornalistas. Para designar tal conduta  existem outros termos, como "lamer" ou "cracker", por exemplo. Insistir no uso do termo hacker como sinônimo de criminoso digital esconde uma componente ideológica ruim, que pretende igualar a habilidade curiosa com a intenção criminosa. Como referência, posso indicar uma reportagem especial da CNN em http://www.cnn.com/TECH/specials/hackers/, ou o dicionário "Wired style: Principle of English usage in the Digital Age", da editora Constance Hale, 1999.
Não creio ser justificado o argumento da simplicidade (em beneficio da compreensão do leitor), que alguns jornalistas usam para insistirem no engano. Alguns fazem até gracinhas com suas próprias confusões, responsabilizando outros pela sua falta de clareza com a língua, tais como a falta de legislação adequada, a falta de segurança, a falta  de "especialistas", etc. Além de banalizar a questão moral e jurídica do dolo, essa preguiçosa tradução esconde o problema dos riscos crescentes que as tecnologias da informação embutem. Hoje em dia, com a popularização das ferramentas que exploram defeitos e falhas de segurança de softwares na internet, um cracker não precisa mais ser um hacker, e um novo termo surge no jargão da informática em ingles para designar os crakers que não são hackers: são os "script kiddies" (algo como 'garotos com receitas de bolo').
A insistência nesse erro, aqui e ali, contribui não apenas para confundir habilidade com má intenção no mundo virtual, refletindo e amplificando a tendência humana ao medo ante o desconhecido, como  também para encobrir a complexidade do problema da segurança nele. As perdas com fraudes eletronicas na industria financeira giram hoje em torno de US$ 50 bilhões anuais, segundo algumas estimativas que circulam em listas de discussão sobre segurança na internet. Essas fraudes são praticadas por quadrilhas altamente especializadas, e não por script kiddies que buscam notoriedade desfigurando páginas informativas na web.
Os hackers não podem ser coletivamente cassificados como criminsos indesejáveis, pois alguns deles desempenham  para o software um papel  semelhante ao da seleção natural na evolução das espécies naturais, descobrindo falhas de segurança nos softwares em uso pelo mundo e reportando suas descobertas aos desenvolvedores, às vezes sugerindo estratégias de reparo. São também os grandes responsáveis pelo enorme patrimônio intelectual em software livre que circula pelo mundo hoje, e do qual todos engajados na revolução digital estão se beneficiando. Chamar a estes de "hackers éticos", como fazem alguns para atenuar o erro de tradução, apenas agrava tal confusão, pois assume a desonestidade como condição preliminar e natural à ação associada. E há muito software ruim por ai, acredite-me, precisando de hackers  normais (quero dizer honestos) para corrigi-los ou denunciá-los. (como referência, posso indicar o site http:\\www.badsoftware.com). Além disso, é possível que por trás desta onda difamatória estejam interesses da indústria do software proprietário, procurando minar a confiabilidade pública no software livre, como deixa transparecer seu lobby legislativo pelo UCITA. Sob o manto do combate à pirataria e o argumento da uniformização de leis, esta nova legislação americana sobre licença e uso do software poderá sufocar o movimento por liberdade na produção e uso de software
Aos olhos que conhecem a origem do termo, seu uso como empregado por Aguinaldo Novo e Bruno Grattoni indica que o jornalista não fez seu dever de casa ou não entende suficientemente bem o assunto sobre o qual está se ofercendo para traduzir. Gostaria que esta mensagem seja recebida não como pedantismo, mas como estímulo ao bom  jornalismo, haja vista a responsabilidade de veículos de massa  do porte do seus jornais em relação à nossa lingua.
Mas por outro lado, o uso faz o idioma. Como os verdadeiros hackers não tem controle sobre o uso do termo que inicialmente escolheram para designarem-se, hoje contaminado pelo uso que leigos dele passaram a fazer, resta-lhes adotar um novo termo para se referirem  a si mesmos, se quiserem se livrar da pecha que este uso lhes traz. Temos agora na palavra geek o nome que os verdadeiros hackers escolheram para se referirem a si mesmos, sem a contaminação leiga impingida ao antigo termo.

Fonte:http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/hackers.htm

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